terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Há coisas que só a vida ensina


Todos os anos, eu o esperava...

Pedia que ele viesse, mesmo sem trazer presentes, não precisava! Só
pedia que ele viesse, mas apesar das promessas, ele nunca aparecia
nessa época do ano.

Meus pais se separaram quando eu tinha apenas um ano de idade, dos 5
filhos, fui a que menos convivi com ele, o que não impedia de eu ter
uma verdadeira paixão e fascínio por ele, afinal ele era o um pai tão
bonito; “negão”, alto,forte e a melhor das qualidades pra mim, o bom
humor!

Como era divertido, como sempre tinha histórias engraçadas pra contar,
tinha o dom de fazer as pessoas rirem e tinha o dom de não fazer
diferença entre elas, o que verdadeiramente me encantava. Brincava com
meus amigos os moleques da rua, até mesmo os mais “curubentos”,
crianças sujas, rs. Ele não ligava, as abraçava, as jogava para o alto
e tirava onda com elas, assim como eu, as outras crianças de perto de
casa  o adoravam!

Meu pai não enxergava a sujeira nas crianças, nem as feridas, os pés
sujos, ele só via crianças. Era a sensação que eu tinha.
Pai e mãe eram tão diferentes, enquanto ele só brincava, minha mãe, era
a que sempre exigia de mim disciplina, me enchia de regras e bons
modos, não pode isso, não pode aquilo...
_ Se sujar a roupa apanha!
_ Se derramar o leite também!
( O que nunca me impediu de ter uma infância maravilhosa! Brincar na
rua, correr descalça, pira esconde, empinar papagaio, roubar frutas,
pular muros, brigar na rua...)

Minha mãe, tinha apenas  o rigor, de quem precisava criar 5 filhos
sozinha,  sem dinheiro, sem instrução, e sem apoio ou estrutura
psicológica pra matar um leão por dia, da forma mais decente possível.
Já com meu pai, fumei o primeiro cigarro ainda aos 8, 9 anos ( o único
também), com ele também dei o primeiro gole de cerveja, ou
cachaça...Não lembro bem,mas foi também nessa idade. ( Também não
tomei gosto pela coisa). Ele se divertia e me apoiava nas minhas
traquinagens, por piores que fossem, gostava mesmo era de dar risadas!
E  acho que no fim das contas, um acabava equilibrando o outro na nossa criação.
Mas essa figura tão maravilhosa, encantadora e divertida que eu
chamava de pai, tinha decidido aproveitar muito ainda a vida, estava
sempre tão longe, vivendo milhões de “amores”, realizando todos os
seus desejos.

Nossa extrema necessidade no dia a dia, nunca foi uma preocupação real
pra ele, mas tudo bem, porque uma ou duas vezes por ano ele vinha, com
muito dinheiro enchia a  dispensa, a geladeira, nos enchia de
presentes caros, e a gente esquecia como os outros dias do ano, eram
difíceis, e nosso coração enchia de alegria, o pai estava de volta, o
cara mais legal do mundo!
E eu aproveitava pra dizer...
_ Pai, volta pra casa no natal!

Ele nunca me disse não, mas também nunca aparecia... E era nessa época
do ano, que minha mãe, a mulher mais forte que eu já conheci,
desabava, sem dinheiro para fazer qualquer coisa, e com uma solidão,
que doía em todos nós.

Todos os natais foram assim, até o ano de 1999...
Quando eu já jovem, estava no terceiro ano, do ensino médio, fiquei
sabendo que ele realmente viria pra casa em novembro, sensacional! Era
cedo ainda, mas eu já estava decidida a não deixá-lo ir por nada, o
amarraria, esconderia todas as suas roupas, fumaria seus cigarros pra
lhe fazer companhia se fosse o caso!

E ele veio mesmo, só que doente, sem poder andar, foi direto para o
hospital e lá não demorou muito para saber que ele estava desenganado
pelos médicos.

Fui visitá-lo, e ele me pediu para executar uma tarefa simples pra
ele, tão simples que eu não consegui, sai correndo do quarto e pedi a
minha irmã que fizesse. Eu não queria que ele me visse chorando, não
queria que minhas lágrimas o fizessem se sentir mais fraco.
Não conseguia acreditar, que aquele homem forte, alegre, independente,
estava morrendo...Toda força e alegria que sempre me motivaram, já não
existia mais.

Alguns dias depois, o levamos para casa, cheguei  do cursinho, ele
estava me esperando, esperou cada um de nós, disse palavras que
esperei ouvir a vida toda, pediu perdão, e falou de um amor, que achei
que nunca existisse no coração dele. Nem havia chegado dezembro ainda,
ele respirou forte pela ultima vez e morreu.

Foi como se todos os meus sonhos tivessem acabado, toda a esperança,
como se o chão tivesse sido aberto e eu não tivesse como me manter de
pé, não havia apoio, ninguém, nada.

Valeu-me o exemplo de força de minha mãe, a disciplina que ela sempre
exigia de mim.
Vesti branco no enterro, e fui para a escola no outro dia, a vida
continuava e eu precisava ser forte e cuidar de mim e de minha mãe,
nada mais.

Tudo foi  tão difícil, mas pelo menos, eu sabia que só podia contar
comigo, trabalhar alguns meses, para só depois poder fazer qualquer
curso, não esperar nada de ninguém,  foram três empregos ao mesmo
tempo,só  para poder pagar a faculdade ( promotora de vendas em um
supermercado, vendedora de roupas em outra loja e vendedora de
sorvetes nas praças ,durante o fim de semana).

Foi dando certo, só doía mesmo no natal e doía muito.
Até que esse ano, não senti mais falta, nem senti mais dor, escolhi
ficar com o sorriso fácil dele,  o bom  humor, a forma de fazer piada
da vida, e a forma única de olhar as pessoas, quer estejam limpas ou
sujas, como aquela crianças “curubentas” que brincavam comigo, que ele
afagava.

Da minha mãe herdei a força pra cada recomeço, quanto a disciplina
ainda estou nessa lição há anos, talvez seja a mais difícil de todas.
Errei, errei , errei pra caramba! Aprendi com os erro dos meus pais e
principalmente com os meus, quase sempre tenho um erro novo, mas
decido tentar acertar, na mesma proporção também.

Quero família legitima, aquela da ideia original de Deus, pai, mãe e filhos.
Já decidi, não vou ameaçar meus filhos se derramarem o leite, se
quebrarem o copo ou se sujarem a roupa, pessoas sempre valem e vão
sempre valer  mais do que coisas, qualquer coisa, dinheiro, alimento,
status.

Mas também não vou oferecer álcool e cigarro para eles. Quero um meio
termo, de tudo o que Deus me permitiu viver até aqui, e das coisas que
estou aprendendo ao longo do tempo.

A principal, é que nada se mantém ou subsiste sem Deus, o
resto...Confesso, que não sei direito ainda, mas a certeza de que Deus
está no controle, que ele realmente é a fonte, o inicio e o fim de
tudo, me tranquiliza e me  dá alegria constante para viver todos os
outros dias!

Há feridas que demoram para cicatrizar ,mas elas sempre cicatrizam!

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