quarta-feira, 2 de julho de 2014

Trabalho escravo na imprensa do Pará. Jornalistas de Santarém vão às ruas e abrem o verbo!

A sociedade precisa dos jornalistas que, a cada momento, estão em busca da notícia indispensável a todos. A informação é um bem de primeira necessidade. Pois os trabalhadores que produzem esse bem, inclusive quando fazem reportagens denunciando o trabalho escravo nas fazendas, lá no interior da região, eles mesmos, os jornalistas, em muitos casos trabalham em situação tão humilhante que se assemelham a escravos urbanos. Há 3 dias, 30 jornalistas de uma das cidades mais importantes do Pará, Santarém, foram às ruas denunciar a própria escravidão. É o que relata aqui a jornalista Ronilma Santos, que participou da manifestação. "Eu mesma, por diversas vezes fui obrigada a cobrir confrontos de gangues sem a presença da polícia, sem colete e sem sequer um seguro de vida!", diz ela, entre muitas outras coisas que precisam ser do conhecimento público. E os salários, miseráveis.
Representação local do Sindicato: Rosa Rodrigues, Minael Andrade, Ronilma
Santos, Sheila Faro (presidente do Sinjor-PA) e Jota Ninos. Jornalistas querem
mudanças e mais ação contra a exploração


A seguir, entrevista com Ronilma Santos:

Quais as expectativas da luta dos jornalistas a partir de agora, depois da manifestação que vocês fizeram em Santarém?

Ronilma - A partir de agora, queremos agilizar o processo de filiação dos jornalistas do Oeste do Pará ao Sindicato de Jornalistas (Sinjor-PA) e deixar para trás o Sindicato dos Radialistas que vem nos representando há 25 anos. A expectativa é que até o mês de agosto, todos os jornalistas diplomados de Santarém estejam sindicalizados. E até o fim do ano, possamos estender essa sindicalização aos jornalistas dos demais municípios da região oeste. Utilizamos o manifesto para ressaltar a importância dessa filiação, pois acreditamos que, a partir daí, teremos mais força e respaldo legal para buscar melhorias para a categoria, como um piso salarial diferenciado para os jornalistas e melhores condições de trabalho, além de garantir o direito à liberdade de expressão que tanto nos tem sido cerceada nas empresas de Santarém. Estamos vivendo um momento de transição entre pertencer à categoria dos radialistas (onde existem funções idênticas às dos jornalistas), para assumir nossa condição de profissionais do Jornalismo, da qual nos orgulhamos.


Que problemas específicos motivaram a manifestação: salários, assédio. Como se dá o assédio nas empresas?
Ronilma -O baixo salário pago a profissionais foi o principal mote de nossa manifestação. Dá pra acreditar que o atual piso salarial dos radialistas não chega um salário mínimo e meio? Isso é aviltante, principalmente para os profissionais das redações que, em sua maioria, vem se graduando desde 2010 em Jornalismo, além de outros cursos superiores afins. A formação é feita em faculdades privadas e esse salário mal dá para cobrir uma mensalidade! O piso do Sindicato dos Radialistas vem recebendo anualmente apenas ajustes sobre a inflação, pois as empresas se negam a dar um ganho real aos profissionais. As empresas não procuram, pelo menos, ter uma política salarial diferenciada com programas de progressão funcional dentro de uma dinâmica de merecimento de seus funcionários, e pagar mais que o piso estipulado nos acordos coletivos da categoria. Como o nome diz, o piso deveria ser apenas uma referência salarial, mas os empresários locais só pensam nos lucros e apesar de afirmarem que “somos uma família” ou que os trabalhadores das empresas são seus “colaboradores”, na verdade tratam os jornalistas como escravos! Puro cinismo de quem deveria valorizar uma concessão pública e melhorar a qualidade de seus programas, incentivando o desenvolvimento profissional de seus “colaboradores”! Sem contar que a maioria das empresas recebe grandes recursos públicos do Governo do Estado e da Prefeitura e vivem chorando miséria na hora de discutir o acordo coletivo. Algumas investem em tecnologia comprando equipamentos sofisticados, mas não se preocupam com quem vai manejar estes equipamentos. 
Além disso, há também o desvio de função como, por exemplo, fazer com que um repórter ou um cinegrafista assuma a responsabilidade de dirigir os veículos das empresas, muitas vezes sem pagar qualquer adicional. Há muito tempo deixou de existir a figura do motorista nas empresas, pois elas só querem cortar gastos e aumentar seus lucros às nossas custas. Há também o problema antigo do cumprimento de grandes metas em pautas num curto espaço de tempo, para não acarretar horas extras ou quando o horário é extrapolado, faz-se de tudo para não efetuar o pagamento devido das horas extras que é um direito garantido em lei, mas acaba sendo camuflado por algumas empresas.

E a grave questão da segurança na cobertura de acontecimentos que envolvem violência? 
Ronilma - Atualmente trabalhamos sem contar com proteção e segurança nas atividades externas como, por exemplo, um colete à prova de balas. Eu mesma, quando trabalhava em determinada emissora, por diversas vezes fui obrigada a cobrir confrontos de gangues sem a presença da polícia, sem colete e sem sequer um seguro de vida! E se não cumprisse a pauta, receberia reprimenda da chefia! Recentemente uma colega, já no sétimo mês de gestação foi enviada pela sua empresa para cobrir uma greve de operários em um canteiro de obras onde houve confronto com a polícia e ela acabou sendo atingida por gás lacrimogêneo, bala de borracha e quase perdeu o bebê! Esses abusos das empresas são comuns em Santarém.
E o assédio moral, como se dá?
Ronilma - Com relação ao assédio moral, ele ocorre de diversas formas. É o famoso “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. São desmoralizações públicas na redação por parte da chefia e ameaças constantes de demissão, caso o funcionário reclame e relate as humilhações a que é submetido no local de trabalho quase diariamente. Há casos em que até o sucesso ou insucesso da vida amorosa de alguns chefes, levam ao destempero e à utilização de palavras de baixo calão contra seus subordinados!
Existe outra prática condenável, em algumas empresas, como os tais “contratos de gaveta”, que os profissionais são obrigados a assinar, sempre que algumas empresas se sentem ameaçadas ou querem diminuir gastos, por exemplo: jornalistas são constantemente obrigados a assinar documentos responsabilizando-se por desenvolver funções que fogem de sua alçada, ou pagar consertos de equipamentos em caso de avaria (mesmo que tenha sido causado por outra equipe!) ou ainda para abrir mão de suas folgas. Caso descumpram o “contrato”, a empresa já estará respalda legalmente com o tal documento. O funcionário jamais tem acesso a nenhuma dessas cópias para não gerar provas contra a empresa, no caso de demissão! Ora, qualquer acordo envolvendo duas partes deve ter duas cópias do acordo, uma para cada lado. Do contrário torna-se um acordo unilateral e ditatorial nas empresas.
Todas essas questões ocorrem e ninguém vem a público denunciar com medo de represálias. É possível que depois de eu relatar isso, venham tentar me desmoralizar publicamente e dizer que é mentira e que não posso provar, mas quem trabalha nas redações sabe do que estou falando.

A manifestação parece que se concentrou nos jornalistas de televisão. Foi isso? E os jornalistas de rádio e impresso, como está a situação deles? E as assessorias?
Ronilma - A manifestação teve a participação de funcionários de todos os veículos/meios de comunicação, impresso, online, TV, rádio, além dos jornalistas que atuam como assessores de imprensa. A menor participação foi dos jornalistas que estão nas redações, pois a grande maioria sofreria retaliações pela participação, embora as empresas não tenham o direito de intervir na vida dos funcionários dessa forma. Muitos foram proibidos de participar, outros receberam a proibição de forma implícita. E houve até empresas que liberaram funcionários para a manifestação apenas para servir de “espiões” levando informações para a chefia. Alguns jornalistas não satisfeitos em trabalhar a preço de banana ainda se prestam a tal situação, achando que talvez ganhem mais atuando como um “X-9”. Não que tenham ganhos diferentes dos demais, mas por se acovardarem e optarem pelo caminho mais fácil pra eles, olhando apenas para o próprio umbigo e não tendo o senso de coletividade.
Quais os níveis salariais hoje, quanto recebem os jornalistas nas diversas funções?
Ronilma - Praticamente todos recebem a mesma coisa: o piso salarial é – pasmem! - de R$ 788, 00 (!!). O valor no contracheque só muda para quem acumula funções e faz jus a mais 40% de gratificação, ou por necessidade ou por pressão da empresa, submetendo-se a uma jornada desgastante, embora nada gratificante financeiramente. Um repórter iniciante ganha, em seu contracheque, o piso. Um repórter que trabalha há mais tempo ganha o mesmo piso, acrescido de pequenas vantagens por tempo de serviço. Entretanto, os reajustes são sempre ínfimos e quase não se nota uma diferença entre os salários.
Há possibilidade de criar um sindicato no Oeste do Estado?
Ronilma - Foi empossada, em 2012, a Diretoria Regional do Sinjor/Pa, abrangendo a região Oeste. Os membros da diretoria haviam sido escolhidos em 2010, durante uma reunião da primeira turma de jornalistas graduados por Santarém, já que a exigência do estatuto do Sinjor indicava que a escolha dessa diretoria - de caráter temporário - serviria para a instalação da nova modalidade de organização regional prevista no estatuto do Sindicato, conforme prevê o estatuto da Entidade em seu artigo 46 e incisos.
Essa foi a primeira diretoria regional a ser criada pelo Sinjor, como forma de descentralizar as ações do sindicato e fortalecer o sindicato no Oeste. Os membros da primeira diretoria regional do Oeste do Pará são os jornalistas graduados da primeira turma de Jornalismo de Santarém: Rosa Rodrigues (Rádio Rural), Ronilma Santos (ex-TV Tapajós), Minael Andrade (Rádio Rural), Jota Ninos (Rádio Rural) e Ednaldo Rodrigues (Ascom Semcult). Fomos empossados pela Sheila Faro, presidente do Sinjor, naquela ocasião.
Porém a diretoria provisória teve inúmeras dificuldades para atuar, principalmente porque os cinco membros da diretoria estavam envolvidos no primeiro curso de pós-graduação em Jornalismo Científico e ainda não nos sentíamos respaldados legalmente perante as empresas, o que poderia acarretar retaliações para alguns. Mesmo assim, iniciamos o processo de filiação e alguns colegas foram direto ao Sinjor, em Belém, levar suas fichas. Sempre tivemos apoio do Sinjor através da Sheila, mas em certo momento acabamos perdendo o contato por conta das atividades que desenvolvíamos e depois veio o período eleitoral do Sinjor, do qual não pudemos participar. Com o passar do tempo e as constantes dificuldades, a diretoria praticamente se desfez.

E hoje, como está a vida sindical em Santarém e na região?
Ronilma - Hoje o que queremos é que escolher uma nova diretoria regional para ter o respaldo legal para atuar na região, além de poder contar com o apoio do Sinjor para termos uma sede e dar prosseguimento aos trabalhos de articulação regional. Queremos conversar com a nova presidente Roberta Villanova e conseguir maior apoio logístico para esse trabalho, assim que elegermos a primeira diretoria, inclusive com a contratação de um assessor jurídico que more aqui e não em Belém, para dar o amparo de forma mais eficaz aos jornalistas da região.
A criação de um novo sindicato na região precisa ser discutida com todos os profissionais da região, pois devemos respeitar atualmente a territorialidade do Sinjor em todo o Estado, mas num futuro próximo esperamos ter a sensibilidade do sindicato em estar aberto ao debate diante da atual realidade geopolítica do Pará, já que desde o plebiscito vivemos com três estados dentro de um só, e isso deve se refletir no trabalho sindical.

Como foi a aceitação da sociedade local (organizações populares, etc.) da manifestação? E os empresários, demonstraram alguma reação?
Ronilma - Todos os jornalistas que participaram da caminhada fizeram questão de participar de cara limpa, para mostrar pra sociedade que infelizmente em Santarém jornalismo ainda significa apenas status. E que a realidade não é nada glamourosa quanto tentam mostrar, mascarar, as grandes emissoras.
Pela repercussão nas redes sociais deu pra sentir que a sociedade também se indignou com a situação. Muitos manifestaram seu apoio e diretores de faculdades inclusive abriram suas portas para ajudar a categoria com a parte logística. Nas ruas, as pessoas nos aplaudiam apoiando a causa. E há vereadores que devem se manifestar a nosso favor na Câmara Municipal, além do apoio de órgãos como a OAB local. O evento foi histórico e surgiu de forma espontânea, com mobilização em uma semana pelas redes sociais. Temos consciência, agora, que novas portas se abrirão e que é possível trabalhar sem ao menos viver uma mentira. Toda a sociedade já conhece e sabe por alto o que acontece dentro das redações. Um grito preso há anos, foi dado. E agora, ninguém mais poderá calar ou reverter os resultados desse pequeno, embora histórico ato.
Esse movimento veio pra ficar - uma luta permanente e de longo prazo - ou foi apenas fogo de palha?
Ronilma - Esse é um movimento que surgiu dos próprios comunicadores que já não aguentavam o descaso com a categoria. Surgiu do desejo da maioria de não mais viver uma mentira, que resolveu romper com o medo, apesar de todas as ameaças. Por isso, esse movimento não vai parar até que a Justiça possa ser vista por aqui. Até que os salários sejam dignos, reajustes e ganhos reais sejam aprovados, nem que pra isso seja necessário realizar outros tipos de manifestações que envolvam a categoria numa luta incessante, até que nada além do que é direito do jornalista garantido por lei e pela constituição se cumpra.
Ficamos muito felizes com o resultado. Acredito que pela primeira vez na história de Santarém os jornalistas que convivem com essa situação humilhante puderam ir à rua e mostrar toda sua indignação. Cerca de 30 comunicadores mostraram a cara e abraçaram a causa, que não é apenas deles, mas de todos que fazem comunicação em Santarém. 
Foram esses 30 que deram a cara a tapa, que puxaram para si a briga, e que vão até onde for preciso para fazer a diferença. Foram esses 30 que deixaram o discurso de lado e colocaram seus ideais em prática. São eles que vão promover a mudança. Quem sabe, lá na frente, quando o vento for favorável, tantos covardes e hipócritas que hoje preenchem as redações e se calam diante da injustiças, percebam que podiam ter mudado essa realidade muito antes.
A luta começou. E não vai terminar até que consigamos conquistar todos nossos objetivos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Interaja comigo, deixe seu comentário ;)