A sociedade precisa dos jornalistas que, a cada momento, estão em
busca da notícia indispensável a todos. A informação é um bem de
primeira necessidade. Pois os trabalhadores que produzem esse bem,
inclusive quando fazem reportagens denunciando o trabalho escravo nas
fazendas, lá no interior da região, eles mesmos, os jornalistas, em
muitos casos trabalham em situação tão humilhante que se assemelham a
escravos urbanos. Há 3 dias, 30 jornalistas de uma das cidades mais
importantes do Pará, Santarém, foram às ruas denunciar a própria
escravidão. É o que relata aqui a jornalista Ronilma Santos, que
participou da manifestação. "Eu mesma, por diversas vezes fui obrigada a
cobrir confrontos de gangues sem a presença da polícia, sem colete e
sem sequer um seguro de vida!", diz ela, entre muitas outras coisas que
precisam ser do conhecimento público. E os salários, miseráveis.
Representação local do Sindicato: Rosa Rodrigues, Minael Andrade, Ronilma Santos, Sheila Faro (presidente do Sinjor-PA) e Jota Ninos. Jornalistas querem mudanças e mais ação contra a exploração |
A seguir, entrevista com Ronilma Santos:
Quais as expectativas da luta dos jornalistas a partir de agora, depois da manifestação que vocês fizeram em Santarém?
Ronilma - A partir de agora, queremos agilizar o processo de
filiação dos jornalistas do Oeste do Pará ao Sindicato de Jornalistas
(Sinjor-PA) e deixar para trás o Sindicato dos Radialistas que vem nos
representando há 25 anos. A expectativa é que até o mês de agosto, todos
os jornalistas diplomados de Santarém estejam sindicalizados. E até o
fim do ano, possamos estender essa sindicalização aos jornalistas dos
demais municípios da região oeste. Utilizamos o manifesto para ressaltar
a importância dessa filiação, pois acreditamos que, a partir daí,
teremos mais força e respaldo legal para buscar melhorias para a
categoria, como um piso salarial diferenciado para os jornalistas e
melhores condições de trabalho, além de garantir o direito à liberdade
de expressão que tanto nos tem sido cerceada nas empresas de Santarém.
Estamos vivendo um momento de transição entre pertencer à categoria dos
radialistas (onde existem funções idênticas às dos jornalistas), para
assumir nossa condição de profissionais do Jornalismo, da qual nos
orgulhamos.
Que problemas específicos motivaram a manifestação: salários, assédio. Como se dá o assédio nas empresas?
Ronilma -O baixo salário pago a profissionais foi o principal
mote de nossa manifestação. Dá pra acreditar que o atual piso salarial
dos radialistas não chega um salário mínimo e meio? Isso é aviltante,
principalmente para os profissionais das redações que, em sua maioria,
vem se graduando desde 2010 em Jornalismo, além de outros cursos
superiores afins. A formação é feita em faculdades privadas e esse
salário mal dá para cobrir uma mensalidade! O piso do Sindicato dos
Radialistas vem recebendo anualmente apenas ajustes sobre a inflação,
pois as empresas se negam a dar um ganho real aos profissionais. As
empresas não procuram, pelo menos, ter uma política salarial
diferenciada com programas de progressão funcional dentro de uma
dinâmica de merecimento de seus funcionários, e pagar mais que o piso
estipulado nos acordos coletivos da categoria. Como o nome diz, o piso
deveria ser apenas uma referência salarial, mas os empresários locais só
pensam nos lucros e apesar de afirmarem que “somos uma família” ou que
os trabalhadores das empresas são seus “colaboradores”, na verdade
tratam os jornalistas como escravos! Puro cinismo de quem deveria
valorizar uma concessão pública e melhorar a qualidade de seus
programas, incentivando o desenvolvimento profissional de seus
“colaboradores”! Sem contar que a maioria das empresas recebe grandes
recursos públicos do Governo do Estado e da Prefeitura e vivem chorando
miséria na hora de discutir o acordo coletivo. Algumas investem em
tecnologia comprando equipamentos sofisticados, mas não se preocupam com
quem vai manejar estes equipamentos.
Além disso, há também o desvio de função como, por exemplo, fazer com
que um repórter ou um cinegrafista assuma a responsabilidade de dirigir
os veículos das empresas, muitas vezes sem pagar qualquer adicional. Há
muito tempo deixou de existir a figura do motorista nas empresas, pois
elas só querem cortar gastos e aumentar seus lucros às nossas custas. Há
também o problema antigo do cumprimento de grandes metas em pautas num
curto espaço de tempo, para não acarretar horas extras ou quando o
horário é extrapolado, faz-se de tudo para não efetuar o pagamento
devido das horas extras que é um direito garantido em lei, mas acaba
sendo camuflado por algumas empresas.
E a grave questão da segurança na cobertura de acontecimentos que envolvem violência?
Ronilma - Atualmente trabalhamos sem contar com proteção e
segurança nas atividades externas como, por exemplo, um colete à prova
de balas. Eu mesma, quando trabalhava em determinada emissora, por
diversas vezes fui obrigada a cobrir confrontos de gangues sem a
presença da polícia, sem colete e sem sequer um seguro de vida! E se não
cumprisse a pauta, receberia reprimenda da chefia! Recentemente uma
colega, já no sétimo mês de gestação foi enviada pela sua empresa para
cobrir uma greve de operários em um canteiro de obras onde houve
confronto com a polícia e ela acabou sendo atingida por gás
lacrimogêneo, bala de borracha e quase perdeu o bebê! Esses abusos das
empresas são comuns em Santarém.
E o assédio moral, como se dá?
Ronilma - Com relação ao assédio moral, ele ocorre de diversas
formas. É o famoso “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. São
desmoralizações públicas na redação por parte da chefia e ameaças
constantes de demissão, caso o funcionário reclame e relate as
humilhações a que é submetido no local de trabalho quase diariamente. Há
casos em que até o sucesso ou insucesso da vida amorosa de alguns
chefes, levam ao destempero e à utilização de palavras de baixo calão
contra seus subordinados!
Existe outra prática condenável, em algumas empresas, como os tais
“contratos de gaveta”, que os profissionais são obrigados a assinar,
sempre que algumas empresas se sentem ameaçadas ou querem diminuir
gastos, por exemplo: jornalistas são constantemente obrigados a assinar
documentos responsabilizando-se por desenvolver funções que fogem de sua
alçada, ou pagar consertos de equipamentos em caso de avaria (mesmo que
tenha sido causado por outra equipe!) ou ainda para abrir mão de suas
folgas. Caso descumpram o “contrato”, a empresa já estará respalda
legalmente com o tal documento. O funcionário jamais tem acesso a
nenhuma dessas cópias para não gerar provas contra a empresa, no caso de
demissão! Ora, qualquer acordo envolvendo duas partes deve ter duas
cópias do acordo, uma para cada lado. Do contrário torna-se um acordo
unilateral e ditatorial nas empresas.
Todas essas questões ocorrem e ninguém vem a público denunciar com medo
de represálias. É possível que depois de eu relatar isso, venham tentar
me desmoralizar publicamente e dizer que é mentira e que não posso
provar, mas quem trabalha nas redações sabe do que estou falando.
A manifestação parece que se concentrou nos jornalistas de televisão.
Foi isso? E os jornalistas de rádio e impresso, como está a situação
deles? E as assessorias?
Ronilma - A manifestação teve a participação de funcionários de
todos os veículos/meios de comunicação, impresso, online, TV, rádio,
além dos jornalistas que atuam como assessores de imprensa. A menor
participação foi dos jornalistas que estão nas redações, pois a grande
maioria sofreria retaliações pela participação, embora as empresas não
tenham o direito de intervir na vida dos funcionários dessa forma.
Muitos foram proibidos de participar, outros receberam a proibição de
forma implícita. E houve até empresas que liberaram funcionários para a
manifestação apenas para servir de “espiões” levando informações para a
chefia. Alguns jornalistas não satisfeitos em trabalhar a preço de
banana ainda se prestam a tal situação, achando que talvez ganhem mais
atuando como um “X-9”. Não que tenham ganhos diferentes dos demais, mas
por se acovardarem e optarem pelo caminho mais fácil pra eles, olhando
apenas para o próprio umbigo e não tendo o senso de coletividade.
Quais os níveis salariais hoje, quanto recebem os jornalistas nas diversas funções?
Ronilma - Praticamente todos recebem a mesma coisa: o piso
salarial é – pasmem! - de R$ 788, 00 (!!). O valor no contracheque só
muda para quem acumula funções e faz jus a mais 40% de gratificação, ou
por necessidade ou por pressão da empresa, submetendo-se a uma jornada
desgastante, embora nada gratificante financeiramente. Um repórter
iniciante ganha, em seu contracheque, o piso. Um repórter que trabalha
há mais tempo ganha o mesmo piso, acrescido de pequenas vantagens por
tempo de serviço. Entretanto, os reajustes são sempre ínfimos e quase
não se nota uma diferença entre os salários.
Há possibilidade de criar um sindicato no Oeste do Estado?
Ronilma - Foi empossada, em 2012, a Diretoria Regional do
Sinjor/Pa, abrangendo a região Oeste. Os membros da diretoria haviam
sido escolhidos em 2010, durante uma reunião da primeira turma de
jornalistas graduados por Santarém, já que a exigência do estatuto do
Sinjor indicava que a escolha dessa diretoria - de caráter temporário -
serviria para a instalação da nova modalidade de organização regional
prevista no estatuto do Sindicato, conforme prevê o estatuto da Entidade
em seu artigo 46 e incisos.
Essa foi a primeira diretoria regional a ser criada pelo Sinjor, como
forma de descentralizar as ações do sindicato e fortalecer o sindicato
no Oeste. Os membros da primeira diretoria regional do Oeste do Pará são
os jornalistas graduados da primeira turma de Jornalismo de Santarém:
Rosa Rodrigues (Rádio Rural), Ronilma Santos (ex-TV Tapajós), Minael
Andrade (Rádio Rural), Jota Ninos (Rádio Rural) e Ednaldo Rodrigues
(Ascom Semcult). Fomos empossados pela Sheila Faro, presidente do
Sinjor, naquela ocasião.
Porém a diretoria provisória teve inúmeras dificuldades para atuar,
principalmente porque os cinco membros da diretoria estavam envolvidos
no primeiro curso de pós-graduação em Jornalismo Científico e ainda não
nos sentíamos respaldados legalmente perante as empresas, o que poderia
acarretar retaliações para alguns. Mesmo assim, iniciamos o processo de
filiação e alguns colegas foram direto ao Sinjor, em Belém, levar suas
fichas. Sempre tivemos apoio do Sinjor através da Sheila, mas em certo
momento acabamos perdendo o contato por conta das atividades que
desenvolvíamos e depois veio o período eleitoral do Sinjor, do qual não
pudemos participar. Com o passar do tempo e as constantes dificuldades, a
diretoria praticamente se desfez.
E hoje, como está a vida sindical em Santarém e na região?
Ronilma - Hoje o que queremos é que escolher uma nova diretoria
regional para ter o respaldo legal para atuar na região, além de poder
contar com o apoio do Sinjor para termos uma sede e dar prosseguimento
aos trabalhos de articulação regional. Queremos conversar com a nova
presidente Roberta Villanova e conseguir maior apoio logístico para esse
trabalho, assim que elegermos a primeira diretoria, inclusive com a
contratação de um assessor jurídico que more aqui e não em Belém, para
dar o amparo de forma mais eficaz aos jornalistas da região.
A criação de um novo sindicato na região precisa ser discutida com todos
os profissionais da região, pois devemos respeitar atualmente a
territorialidade do Sinjor em todo o Estado, mas num futuro próximo
esperamos ter a sensibilidade do sindicato em estar aberto ao debate
diante da atual realidade geopolítica do Pará, já que desde o plebiscito
vivemos com três estados dentro de um só, e isso deve se refletir no
trabalho sindical.
Como foi a aceitação da sociedade local (organizações populares,
etc.) da manifestação? E os empresários, demonstraram alguma reação?
Ronilma - Todos os jornalistas que participaram da caminhada
fizeram questão de participar de cara limpa, para mostrar pra sociedade
que infelizmente em Santarém jornalismo ainda significa apenas status. E
que a realidade não é nada glamourosa quanto tentam mostrar, mascarar,
as grandes emissoras.
Pela repercussão nas redes sociais deu pra sentir que a sociedade também
se indignou com a situação. Muitos manifestaram seu apoio e diretores
de faculdades inclusive abriram suas portas para ajudar a categoria com a
parte logística. Nas ruas, as pessoas nos aplaudiam apoiando a causa. E
há vereadores que devem se manifestar a nosso favor na Câmara
Municipal, além do apoio de órgãos como a OAB local. O evento foi
histórico e surgiu de forma espontânea, com mobilização em uma semana
pelas redes sociais. Temos consciência, agora, que novas portas se
abrirão e que é possível trabalhar sem ao menos viver uma mentira. Toda a
sociedade já conhece e sabe por alto o que acontece dentro das
redações. Um grito preso há anos, foi dado. E agora, ninguém mais poderá
calar ou reverter os resultados desse pequeno, embora histórico ato.
Esse movimento veio pra ficar - uma luta permanente e de longo prazo - ou foi apenas fogo de palha?
Ronilma - Esse é um movimento que surgiu dos próprios
comunicadores que já não aguentavam o descaso com a categoria. Surgiu do
desejo da maioria de não mais viver uma mentira, que resolveu romper
com o medo, apesar de todas as ameaças. Por isso, esse movimento não vai
parar até que a Justiça possa ser vista por aqui. Até que os salários
sejam dignos, reajustes e ganhos reais sejam aprovados, nem que pra isso
seja necessário realizar outros tipos de manifestações que envolvam a
categoria numa luta incessante, até que nada além do que é direito do
jornalista garantido por lei e pela constituição se cumpra.
Ficamos muito felizes com o resultado. Acredito que pela primeira vez na
história de Santarém os jornalistas que convivem com essa situação
humilhante puderam ir à rua e mostrar toda sua indignação. Cerca de 30
comunicadores mostraram a cara e abraçaram a causa, que não é apenas
deles, mas de todos que fazem comunicação em Santarém.
Foram esses 30 que deram a cara a tapa, que puxaram para si a briga, e
que vão até onde for preciso para fazer a diferença. Foram esses 30 que
deixaram o discurso de lado e colocaram seus ideais em prática. São eles
que vão promover a mudança. Quem sabe, lá na frente, quando o vento for
favorável, tantos covardes e hipócritas que hoje preenchem as
redações e se calam diante da injustiças, percebam que podiam ter
mudado essa realidade muito antes.
A luta começou. E não vai terminar até que consigamos conquistar todos nossos objetivos.
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